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Coração não dá em árvore

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23abril 2018
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Hoje passei por uma rua onde avistei dois sistemas distintos de sobrevivência: Um coração e uma árvore.

Enigmático. Vivificante. Perturbador. Apaixonante.

Enigmático.

O coração, em formato de bexiga, tentava insistentemente transpassar pelos galhos que o impediam de ver a luz azulada do céu.

Vivificante.

Assim como nós, a bexiga – embora anímica – demonstrava pressa em detrimento do tempo que se esgotava. Neste caso, o tempo de esvaziamento do seu conteúdo; o gás hélio.

Perturbador.

Imagino – nos instantes que a observei – que seu desespero maior seria o de ser estourada no atrito poluído da calçada da rua, ou ser resgatada por uma criança que a faria, cedo ou tarde, de seu passatempo momentâneo.

Apaixonante.

Com receio do passeio imprevisível que o vento poderia fazer com ela, ela se manteve na escolha encarcerada dos galhos, na esperança, não de um dia se soltar e alçar um voo desprendido, mas sim de continuar fixada lá no topo, entrelaçada nos inúmeros e pequenos “dedos” da árvore.

Um coração e uma árvore.

Me deparei com este intrigante paradoxo que me direcionou a uma convidativa metáfora a qual compartilho com vocês.

Muitas vezes deixamos que o rumo de nossas vidas dependa de milagres, de um vento mais forte, de uma mudança de estação ou até mesmo nas ilusórias badaladas do início de um novo ano, dependemos de um enigma.

A autonomia protege a escolha; a árvore sempre esteve lá, a bexiga, conformada com o seu destino, optou por fazer residência e aguardar pela deliciosa aparição da ternura, da afinidade e da intimidade, afinal de contas, ela, agora, fazia parte daquela rotineira vida da árvore. Rotina + sobrevivência = Vida.

E quantas pessoas não fazem o contrário? Se subalternam, se sabotam e se adulteram pela falta dessa espera. Anulam sua personalidade em função de um acontecimento divino, de uma passagem secreta no final de uma rua sem saída. Perturbador!

Pode parecer insanidade do autor, mas a bexiga, embora anímica, jamais desistiu de seguir adiante, ela sabia o que queria e queria o que tem; acolhimento.

Ela preferiu não se ocupar de sonhos fascinantes e de projetos mirabolantes e redescobriu seu modo de vida com as míseras compensações cotidianas. Apaixonante!

Se toda vez que nos deparássemos com a severidade extrema e com as rotinas enfadonhas e lembrássemos que possuímos asas, a nossa entrada numa rua sem saída não dependeria de sorte, e sim de condicionamento físico para bater asas.

É difícil aprisionar os que possuem asas, sabemos, consciente ou inconscientemente que a intimidade vem com o afeto, nunca para quem sofre de miopia ou vive apressado.

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